Autoconhecimento e psicanálise

É natural pensar que quem busca ajuda psicoterapêutica esteja sofrendo. Dificilmente – posso dizer, em minha experiência como terapeuta, que nunca vi – alguém buscará ajuda de um profissional apenas porque está curioso sobre o conteúdo de seu inconsciente. Lacan, um dos maiores nomes da psicanálise depois de Freud, dizia que o ideal era não fazer terapia se o objetivo fosse, apenas, o de se conhecer.

Uma ressalva sobre o que pode significar essa busca pelo autoconhecimento, tão na moda em nossos tempos: em um processo analítico, aquele que busca ajuda precisará trazer à superfície o real motivador de sua angústia. Neste momento, ocorre a materialização do sintoma e os que estão procurando, apenas, “se conhecer melhor”, muito provavelmente, desistirão da análise.

O que move alguém em direção a um processo analítico é um incômodo inominável. Este deve ser inversamente proporcional a sua vontade de manter-se alienado em relação aos próprios desejos. Em outras palavras, a dor que faz alguém querer se deitar em um divã precisa ser maior do que a vontade de esconder de si mesmo as suas mais submersas memórias. Sendo assim, ninguém que está abertamente desejando conhecer melhor a si mesmo está ciente do que isso pode representar. Esta curiosidade primária não parece ser o suficiente para manter alguém em terapia, afinal a grande força motriz da nossa estrutura psíquica está exatamente nesta tentativa ininterrupta de manter fora de nossa consciência os nossos desejos inconfessáveis.

Antes que este texto possa soar como uma apologia à proibição de pessoas felizes nos consultórios dos psicanalistas, saliento que a postura sobre o autoconhecimento pode estar na fala e no comportamento do candidato à análise, mas não em seu íntimo. Com disse acima, o processo analítico tem como base o surgimento de um material omitido e este “desvelar” pode denunciar, inclusive, que a aparente curiosidade do analisando esconde um pedido de socorro velado, tendo apenas a função de suavizar a angústia em admitir que precisa de ajuda.

O advento do google, que hoje ocupa um lugar de oráculo na vida de todos nós, produz nos que a ele tem acesso uma espécie de falsa autonomia intelectual. Não é incomum me deparar com pacientes que já chegam ao consultório com seus diagnósticos prontos e com uma lista de sintomas que ratificam estas conclusões. Embora o paciente que só quer “se conhecer” seja diferente do que já chega com o ‘diagnóstico pronto”, ambos são frutos da mesma interação que hoje estabelecemos com a ideia de saúde e doença – e que é uma marca de nossa época.

Passar por um processo de análise é doloroso, demorado, caro e sem nenhuma garantia de que as coisas realmente melhorarão. Para que esta jornada seja propositiva, a postura curiosa e humilde em relação à ignorância original, presente em todos nós, é de fundamental importância. Ultrapassarmos a ideia de que somos apenas classificações psiquiátricas (para os que já chegam com os diagnósticos) ou um tesouro a ser encontrado com um mapa objetivo (para os que querem apenas se conhecer) é o ponto de partida para que a psicoterapia gere as reflexões necessárias e a readequação de nossa postura em relação a nossa própria vida.

 

Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.

Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352

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