O Divã contra o Acelerado Mundo Novo

Uma das principais questões levantadas por pacientes que iniciam o processo de psicoterapia é o tempo de tratamento. Não creio que tal questionamento tenha como objetivo o interesse em saber em que momento o candidato à análise poderá se considerar “curado”; vejo tal indagação como uma espécie de pedido de garantia, uma forma de se certificar que aquele tempo estará sendo empregado da melhor forma possível, pois temos pressa.

Em um mundo cada vez mais recheado por ferramentas que proporcionam resoluções imediatas, qualquer processo que tenha como objetivo a reflexão, investigação e parcimônia torna-se desinteressante. Basta olharmos para como uma criança reage aos diferentes tipos de brinquedos disponíveis, os tecnológicos (tablets, celulares e vídeo games) e os mais “tradicionais” (brinquedos, peças de montar, e afins). Dificilmente uma criança que tem acesso ao primeiro grupo de brinquedos se interessará pelo segundo. Esta forma de “escolher” nos influenciará para sempre.

Quando se discute sobre a influência desse modelo de vida moderno em nossas vidas e os possíveis malefícios em nossa saúde mental, buscamos, automaticamente, um grande vilão para acusarmos. Hoje, é ponto pacífico entre os que estudam o comportamento humano que o Smartphone é um dos maiores responsáveis por nossa infelicidade.

Mas, embora o celular seja, comprovadamente, um grande problema para os que desenvolvem algum tipo de vício em tecnologia, seria, em minha opinião, como atacar a febre e não a infecção – utilizando uma metáfora emprestada o jargão médico. Vale ressaltar que medidas precisam e devem ser tomadas. O exemplo da França (1.veja notícia no fim do texto), que proibiu celulares nas escolas parece ser algo necessário em um cenário como o nosso, mas, ainda assim, não é o suficiente.

Voltando ao consultório, penso que a demanda dos pacientes que buscam tratamentos rápidos seja uma necessidade real, correspondente ao mundo em que vivemos. Tais modificações, que deixaram o mundo mais “acelerado”, não começaram nos últimos anos com o advento dos Smartphones. O mundo vem se tornando mais rápido a cada século, década e ano, caminhando, invariavelmente, ao encontro do nosso desejo primordial: busca incessante pelo prazer.

Deitar-se em um divã representa uma quebra deste modelo massificante e que nos distancia de nossas marcas individuais. A pressa imposta pela sociedade de consumo (aqui, não me refiro apenas ao consumo monetário, mas o dispêndio de todo tipo de energia, física e mental) nos coloca diante daquilo que mais nos afasta de nossa humanidade, que é a nossa capacidade de refreamento de instintos menos civilizados. Em outras palavras, a análise proporciona, neste cenário, uma possibilidade de reflexão autônoma e individual capaz de colocar o sujeito diante de suas demandas, mas sem o viés imposto pela fluidez do mundo atual. Tal caraterística nem sempre é vista com bons olhos pelos pacientes, mas os que são capazes de se aventurar neste mundo podem reconhecer, através de suas descobertas, o mundo “condicionado” e aprisionador construído pelos seus próprios sintomas.

Nelson Rodrigues dizia que a velocidade é um prazer de cretinos e que preferia os bondes que nunca chegavam. De certa forma, preferir os bondes que nunca chegam talvez seja o grande antídoto para os males do mundo apressado. Afinal, alguns de nossos desejos são impossíveis de se tornarem realidade e as substituições propostas pela modernidade quase sempre nos frustram nos deixam deprimidos.

1.https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/07/31/parlamento-frances-aprova-proibicao-dos-celulares-em-escolas-na-franca.ghtml

Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.

Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352

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