Um dos principais desafios em um consultório de psicoterapia é conduzir o tratamento de uma criança ou adolescente. Diferentemente do que ocorre com um adulto que passa por um sofrimento psíquico e decide procurar ajuda, normalmente o adolescente e/ou criança é levado por seus responsáveis para visitar o psicólogo. As entrevistas iniciais são quase sempre marcadas por silêncios intermináveis e, no caso dos adolescentes, muitas vezes carregadas de certa agressividade.
Para conduzir tal processo, não é incomum termos de utilizar recursos que são pouco comuns na clínica com os adultos. Com as crianças, principalmente com as menores (5/6 anos), os brinquedos e “contação de histórias” são fundamentais para entender o mundo psíquico do pequeno paciente. Com os adolescentes, jogos um pouco mais complexos são boas estratégias (já joguei videogame com um de meus pacientes), uma vez que o jovem paciente está na linha divisória entre o mundo adulto e o infantil.
Mesmo com todas estas peculiaridades que se enfrentam na clínica com os jovens pacientes, nenhuma delas se iguala aos desafios de lidar com os pais ou responsáveis. Explico. Como disse, dificilmente uma criança ou um adolescente decide, por vontade própria, visitar um psicólogo ( digo dificilmente, pois já tive casos de adolescentes que decidiram ir por conta própria ao consultório, mas que, ainda assim, não tinham como objetivo “o tratamento” [explico em outra oportunidade]) e, sendo assim, é a vontade dos que cuidam que prevalece neste momento. Nós, terapeutas, quase sempre somos colocados pelos pais em uma posição de alguém que dará aos filhos a forma que tanto desejaram antes destes nascerem. Tarefa árdua, não?
Este desejo, o dos pais, é compreensível e natural. Uma criança é concebida simbolicamente muito antes da gestação fisiológica. Construímos o que entendemos como a ideia de filho muito antes de estarmos aptos para a função de pais. Nas brincadeiras de infância, por exemplo, em que inventamos e construímos histórias em que cuidamos dos brinquedos e dos nossos animais de estimação, temos prazer ao sabermos que somos responsáveis por outra vida, mesmo que de “brincadeira”. Tudo isso, obviamente, influenciado por aquilo que temos – e o que não temos também – de nossos pais e cuidadores.
Outra coisa que também é compreensível, mas que, neste caso, deve ser trabalhada na clinica é a resistência dos pais quando os filhos começam identificar em suas vidas o que lhes causa sofrimento neurótico. Esta resistência está intimamente ligada ao fato de que o filho que eles conhecem pode deixar de existir. Ora, mas por que temeriam “perder” o filho que foi exatamente o motivador principal da busca por um profissional? Neste momento do tratamento, através das orientações com pais ou responsáveis (outro procedimento técnico necessário do tratamento com adolescentes e crianças), fica-se evidente que há um prazer (inconsciente) na manutenção dos sintomas dos filhos. Um exemplo clássico: uma mãe que leva o filho ao consultório por acha-lo pouco maduro, mas que, em contrapartida, insiste em impedi-lo de começar a ir para a escola sozinho. Neste exemplo, se a mãe perder o filho imaturo, ela perderá, também, o papel que tanto lhe dá prazer, o de cuidadora protetora.
Algo de comum entre a clínica de adolescentes e crianças com a de adultos é o papel essencial do que não está no campo de visão de nós, terapeutas. Por isso a importância de não nos sentirmos seduzidos pelo “canto da sereia” do que o paciente ou os pais nos forçam a ouvir, impedindo que o que precisa ser feito seja, efetivamente, feito. Como diria Mario Quintana “A Psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora”.
Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.
Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352
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