Sobre ser mãe

No último domingo comemorou-se no Brasil e em outros lugares do mundo o dia das mães. Além de ser uma data muito favorável para a economia (as filas dos restaurantes e as praças de alimentação de shoppings denunciam o “aquecimento” do mercado), o dia é marcado pelos encontros e reencontros propiciados pela celebração.

Embora a data seja comemorada em datas diferentes ao redor do mundo, a comemoração do dia das mães, seja onde e como for, carrega em si o desejo de celebrar aquela que dá a vida, cuida e/ou tem a responsabilidade de exercer a função materna. É interessante observar que o dia das mães como conhecemos hoje é fruto de uma homenagem a uma mãe específica.

Ann Marie Reeves Jarvis, no ano de 1905, decidiu organizar um evento em memória de sua mãe que havia falecido. Auxiliada por suas amigas da igreja metodista, realizou um culto em homenagem às mães da região. O evento, que tinha como objetivo o luto de Jarvis pela perda de sua mãe, chamou a atenção de líderes locais e, pouco tempo depois, no estado da Virginia, Estados Unidos, foi oficializado como dia das mães. Daí para tomar conta de todo o país foi questão de tempo.

Um ato particular, destinado para confortar alguém que perdeu um ente querido, tornou-se uma celebração de todas as mães. É importante também ressaltar que em épocas mais antigas também ocorriam celebrações para a figura da mãe. Rituais em torno de figuras mitológicas maternas (fenômenos da natureza, divindades pagãs, etc.) ou na idade média (já subsidiado pelo simbolismo judaico-cristão, onde o rito era direcionado para figura de Maria, mãe de Jesus). Seja em épocas mais antigas ou já em nossos tempos, a figura da mãe sempre foi celebrada como uma homenagem ao que se construiu acerca da função maternal.

Seres dependentes do contato social que somos, participamos de tudo aquilo que nos torna espécie. Não questionamos o que está em jogo quando fazemos o que fazemos, pois o mais importante é nos reconhecermos (e que os outros também nos reconheçam) como membros da nossa “tribo”. Assim, aquele filho que não celebra a mãe neste dia “sagrado”, poderá ser reconhecido como um “desertor”. Nesta data, o mais importante é que esqueçamos de todas as nossas diferenças e que possamos elevar nossa progenitora ao mais alto nível de santidade que for possível. Elevação esta, talvez, ainda sendo uma reminiscência das origens ancestrais da celebração da figuras religiosas/mitológicas.

O núcleo formador de nossa civilização é a contenção de nossos impulsos menos compatíveis com a vida em sociedade. Sem sombra de dúvidas, a mulher perdeu muito mais que os homens quando foi deslocada para um local de um ser que não deseja. A figura materna, sempre ligada a algo puro, não sexual e sacro, fez com que gravássemos no imaginário coletivo que toda mãe ama desempenhar essa função – assim como todo filho. O dia das mães não deveria ser uma sentença para quem desempenha tal função e nem para os filhos. É importante, assim como ocorre num processo de análise, que cada de um nós possa reconhecer em si o desejo que lhe move em direção às próprias atitudes. Uma saída é termos a liberdade de reconhecermos, enquanto filhos, o que há de humano em nossas mães, para o bem e para o mal, enquanto as mães possam reivindicar ou não para si o arquétipo exageradamente santificado do papel da maternidade

 

Tiago Pontes é psicólogo e atende em consultório particular na região da Vila Clementino, São Paulo, e em São Caetano do Sul. Gerencia a página suco de cerebelo que aborda temas como psicologia, psicanálise, filosofia, literatura, artes e comportamento.

Tiago Pontes
Psicólogo
CRP 06/123352

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